14 setembro 2006

Coisa de Gordo - 289

289-Petisco de Charque
Não é novidade para ninguém a minha mais completa devoção ao CHARQUE, este tradicional produto da culinária gaúcha. Nos idos do século 19, já abrimos guerra contra o resto do país por causa do preço do charque. O que nos autoriza a sermos adoradores dessa iguaria.
Abro parêntesis. O gaúcho é o único povo que festeja uma guerra que perdeu! Justamente a Revolução Farroupilha, chamada pelos íntimos de "Guerra dos Farrapos". Após uma década de sangue vertido ao solo, o Duque de Caxias assinou a rendição da gauchada justamente na localidade de Ponche Verde, município de Dom Pedrito, pondo fim àquela pendenga salgada. Pois até hoje o Rio Grande festeja o dia 20 de setembro, e ergue estátuas e entoa melodias. Parece-me que quem devia festejar e se vangloriar era o resto do país. Sim, fomos vencidos. Situação que até hoje se repete quando o Lula fica com o dinheiro das exportações, sem repassar verba ao estado que as originou. Fecho parêntesis.
Desde criança me vejo como um admirador de charque. Nos longínquos anos de minha infância, quando de férias nos campos de nossa avó, eu e uma irmã descobrimos haver um quartinho, um reduto onde ela curtia mantas de charque. Longe das moscas, longe de animais, longe das pessoas da casa. Mas perto da gula de pequenos gordos. Foi ali, nos pampas gaúchos, que descobri que existia o charque crocante. Trata-se de um charque que fica muito tempo a secar. Muito tempo. Até que começa a ficar duro, a gente quebra pedacinhos para provar. Era uma delícia, lembramos disso até hoje.
Partindo disso tudo, bolei um petisco de charque que pode ser feito por qualquer um. Basta que tenha um pouco de paciência. Vá ao seu açougue, ou ao seu Supermercado e adquira uma quantia de charque picado em pedaços médios, nacos de 1centímetro mais ou menos. Pode ser uma quantia total de setecentos ou oitocentos gramas. Na sua casa, ao chegar, dê uma peneirada no charque para que saia dele uma quantia razoável do SAL que o acompanha. Coloque numa forma, uma pequena assadeira e deixe secar. Aqui entra a paciência.
Essa forma deve ser deixada em local onda bata sol, uma área de serviço, uma janela, o pátio para quem mora em casa. E aí deve ser esquecida. Sempre sendo colocada ao sol de manhã, para ser retirada ao entardecer. Alguns dias depois você vai notar que o charque está ficando mais seco, mais reduzido. Leve de novo a uma peneira e bata, sacuda, agite, no intento de dispensar mais sal. Volte a expor o charque ao sol, repetindo tudo de novo. Não tenha pressa, aprenda a degustar aquilo por antecipação. Deixe que o produto vá sendo moldado pelo astro-rei, enquanto você, pacientemente, vai retirando o sal que aparece.
Passados então alguns bons dias, trate de dar uma lavada no charque. Isso mesmo. Coloque naquela peneira de antes só que agora deixe uns minutos embaixo da torneira. Lave, lave de novo, lave bastante. Será que ainda tem muito sal? Deve ter. Lave de novo.
Volte a expor a forma ao sol, deixando que a iguaria adquira aquela aparência seca de antes. Neste ponto, dê o tiro de misericórdia. Leve a assadeira com o charque ao forno, deixando por cerca de uma hora em fogo médio. Sim, amigo(a), você estará literalmente assando o charque.
Findo esse processo, retire a forma do forno e deixe esfriar. Esfriou? Então cate um vidro vazio de conservas e coloque os pedacinhos de charque ali dentro. Está pronto o seu PETISCO DE CHARQUE. Vai chegar visita? Ofereça uns pedacinhos. Está com saudades de uma coisinha salgada? Dá um tapinha! Só espero que o meu cardiologista, Dr Jasper, não descubra nada sobre este texto!
Se der certo, vamos industrializar! Já pensou? Petisco de Charque - "prá acalmar os seus recarque"."
Silvano - salgado



CONTO CURTO
Foi num sábado que se deu. Ele estava parado na porta da mercearia, esperando uma carga de leite que estava para chegar. Quando ela apareceu. Na verdade ela fez mais do que aparecer. Ela se fez presente! Inundou a entrada da mercearia com a sua pessoa. Chegou com cara despreocupada, olhando as prateleiras, falava rápido com uma criança que a acompanhava. Ajuda a Vó - dizia ela para a criança.
Ele custou a acreditar que ela já fosse avó! Não conseguia tirar os olhos dela e após uns cinco minutos em que estivera completamente atônito, tentou racionalizar aquilo que estava acontecendo. Gente de Deus - disse de si para si mesmo - eu nunca vi essa mulher antes, ela parece ser avó desse menino, sequer parou o olhar em mim, vejo agora que suas mãos denotam de fato uma certa idade, seu cabelo pende para o grisalho, suas roupas confirmam uma certa quilometragem na estrada da vida. Então por quê? Por que não consigo parar de olhá-la? Por que ela me arrebatou? Por que tenho vontade de tocar suas mãos, seu corpo, seus lábios?
A mulher pagou alguma coisa, tomou do neto e foi embora, dando enfim uma leve olhada para ele. Parou uns metros adiante, voltou a cabeça e o olhou de novo. Mas virou e foi embora.
Nos dias seguintes ele a viu de novo, mas ela vinha sempre com a mesma indiferença, pegava algo, pagava e saía rápido da mercearia. Num desses dias ela comprou cigarro e saiu fumando. Ele detestava cigarro, era asmático, que coisa. A mulher se foi. As idas e vindas foram se repetindo até que um dia ele estava no caixa e a misteriosa e fascinante mulher veio pagar as compras com ele. Pagou, fitou-o por um tempo, pôs o troco na carteira, já ia saindo. Voltou-se ali da entrada da mercearia e, aproveitando que não havia ninguém por perto falou para ele:
- É difícil controlar, não é mesmo?
Virou-se e foi embora. Para nunca mais voltar.
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14/09/2006

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