19 setembro 2007

Coisa de Gordo - 342


342 – Última Flor do Lácio
Por meras questões diplomáticas e culturais, tendo em vista esses tempos de globalização em que se vive, os países que falam a língua portuguesa resolveram por bem UNIFICAR suas grafias. Parece que além de interesses culturais, há interesses financeiros por trás disso. Os caras querem poder imprimir um livro aqui e vender em Portugal ou Cabo Verde sem ter que “traduzir” para o português deles.
Eu já tenho cultivado um recalque antigo em relação ao idioma pátrio. Desde que viajei a países de língua espanhola e me dei conta de que eles se comunicam desde a Terra do Fogo até o norte do México na mesma língua, todos falando, escrevendo e entendendo a mesma coisa, fiquei com um baita recalque de ter sido colonizado por portugueses. Que droga – pensei – se tivéssemos colonização espanhola, faríamos parte deste grande clube chamado América Latina, onde há uma língua só. Exceto a nossa. Quando as crianças me trazem seus livros de História com aquela velha linha do Tratado de Tordesilhas, eu sacudo a cabeça e penso:...droga de portugueses!
Certo, certo, deixemos de recalques e bobagens que não levarão a nada. Vasculhemos os fatos. Eu era criança, de fato pequeno, quando houve no país a última reforma ortográfica. Lembro de que ao receber as primeiras noções de gramática, os professores aludiam à Reforma de 1971. Sim, amigo(a), eram tempos de Médici e Brasil Tricampeão no México. Pois esta tal reforma instituiu novas regras onde se suprimiram letras inúteis (no lugar de facto, fato. No lugar de directo, direto). Trouxe aquelas tais sete palavras que ficaram com um acento irracional, um decoreba que se estudava no vestibular: - pára, pôr, pólo, côa, péla, pêra e pôde (como ensinava o professor Édison de Oliveira). E desde aquele tempo nunca mais se mexeu na língua portuguesa.
Passados esses trinta e seis anos, surge agora essa possibilidade. Como toda pessoa normal (será que sou?), minha primeira reação foi reclamar! O quê? Mudar a língua portuguesa? Que loucura! Mas aí lembrei dos países que se unem através do espanhol, lembrei da globalização, lembrei do “informatiquês” e ponderei que talvez seja legal. Não, não mudei de opinião assim sozinho. Li na VEJA um texto da Lya Luft onde ela comenta justamente isso, essa nossa reação irracional a qualquer mudança. E que talvez seja interessante a unificação. Aliás, foi da VEJA que copiei a relação das mudanças, aqui abaixo.
O que eles querem mudar? Não muitas coisas.
O trema deixa de existir, de tal sorte que ao invés de lingüiça você escreverá LINGUIÇA.
Os ditongos EI e OI deixam de ser acentuados em sílaba tônica de palavra paroxítona. No lugar de heróico você escreverá HEROICO.
Não vai mais se usar o acento tônico de palavras onde a vogal se repetia, no lugar de vêem você escreverá VEEM. No de lêem, LEEM. O mesmo valerá quando a vogal for o O. Você escreverá VOO no lugar de vôo.
Palavras paroxítonas com U e I tônicos precedidos de ditongo deixam de ser acentuadas. Você escreverá FEIURA ao invés de feiúra.
Por fim, aqueles acentos das tais palavrinhas do decoreba que citei ali antes seriam igualmente removidos (pólo, pêra, etc..).
E há ainda outras regrinhas mais. O tempo e a mídia vão tratar de divulgar essa parafernália toda.
Fica a nós, portanto, mais este desafio. Olhar os passos que as autoridades vão dar no sentido de unificarem (ou não) as línguas faladas em países ditos irmãos.
Eu, que passei minha vida envolto por ela, estudando com ela, trabalhando com ela, vivendo, enfim, com a Língua Portuguesa, fico apreensivo e ao mesmo tempo curioso. É uma coisa estranha. Parece aquela coisa do cônjuge que, após trinta anos de convívio, se interna na Clínica do Pitanguy e volta, um mês depois, de cara nova. Você dá um abraço. Diz “oi”. Mas passa o resto da noite vasculhando o contorno da orelha e a dobra do braço. “O que que está diferente aqui neste cotovelo, meu Deus...?”
É esperar para ver.
Silvano – gigolô das palavras (como diria o Veríssimo)


NÃO ENTENDEU O TÍTULO?
Trata-se do poeta Olavo Bilac (1865 - 1918) , patriota e parnasiano, cuja foto está lá no início do texto, e que escreveu um poema onde ele chamava a Língua de Portuguesa de Última Flor do Lácio...inculta e bela. Seria a última filha do Latim, a última língua que se originou dele. O termo INCULTA alude aos que fazem mau uso dela, tropeçam na gramática, agridem o vocabulário. E para quem não conhece ou nunca ouviu falar em Lácio, basta lembrar da região italiana LAZIO. Se falar em futebol todos lembram, tem um time italiano com este nome. Agora lembrou, né? Pois a Região do Lazio (em português, Lácio) era a sede da língua latina, sendo sua capital a cidade de Roma. Quer matar a saudade da poesia? Vai que é tua, Bilac:

"LÍNGUA PORTUGUESA"

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


PARA OS MAIS NOVOS...
...talvez alguém lembre do livro O Grande Mentecapto, do Fernando Sabino, onde o louco personagem lá pelas tantas vai “duelar” com um adversário, um duelo verbal, de charadas e pegadinhas. No início do embate, o outro pergunta: - Quer duelar em que língua? Ao que o protagonista responde: - “Na Última Flor do Lácio”. E o duelo continua. Em português.


VOCÊS DO RESTO DO PAÍS NEM PERCEBERAM....
...mas hoje é FERIADO aqui para a gauchada. Sim, o VINTE DE SETEMBRO é a data em que nós festejamos uma Guerra que nós perdemos, a Revolução Farroupilha. Dá para entender? Vendo o Lula e o Renan Calheiros mancomunados, vendo a farra do Congresso para aprovar a escandalosa renovação da CPMF, dá vontade de ressuscitar o Bento Gonçalves e largar este país. Certo, certo, é só um desabafo...mas que dá uma vontade....dá!

20/09/2007

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