29 março 2008

Conto de Outono


EU BEM QUE TENTEI....
...mas quando me dei conta vi que foi tudo em vão. Eu me prometi: - Não vou fazer isso de novo! E veja que para fazer esta autopromessa, este verdadeiro compromisso entre mim e mim mesmo, foram necessárias várias etapas. Eu tive que mergulhar em meu íntimo, valer-me do trampolim do desespero e mergulhar em direção ao fundo de minha própria personalidade. E olha que eu tive medo, vislumbrei o trampolim meio de lado, apalpei-o, senti a textura da madeira áspera. Sim, o meu trampolim ainda é feito de madeira. Aí eu subi nele titubeante, andei a passo de formiguinha, cheguei na beira, me embalei , tomei impulso e, suando frio, me joguei. Quando aquele sábio da antiguidade disse CONHECE-TE A TI MESMO, no meu caso ele estava dizendo uma maldição, não uma orientação. Para mim, era melhor que este conhecimento não tivesse chegado nunca. Ao descer em direção ao fundo do meu ser, as coisas que eu vi não foram nada alentadoras. Se se considerasse tal descida como um filme de cinema, a coisa estava mais para roteiro do Stephen King do que para Woody Allen. As faces aterrorizantes, os gritos alternados com silêncios profundos, os saltos na escuridão, tudo isso estava lá. Mas eu continuei a descida. E enquanto caía repetia para meus próprios ouvidos escutarem: - Não vou mais fazer isso...não vou mais fazer isso, não vou mais fazer isso... As paredes úmidas e frias deste poço lúgubre em que eu me meti, apenas ecoaram meu tênue pedido. Mas nada nem ninguém respondeu. Até porque não havia quem respondesse. Só havia uma pessoa. E este alguém era eu mesmo. Está lembrado? - eu estava entrando era na MINHA intimidade, no pântano movediço de minha personalidade. E neste ambiente sufocante só havia espaço para uma pessoa: - EU. Eu e meus traumas. Eu e minhas derrotas anteriores. Eu e meus amores. Eu e minhas dores. Passei por uma pequena saleta, bem arrumadinha, clara, colorida, a Sala de Minhas Conquistas. Ambiente pequeno, acolhedor, coisa de metro e meio por metro e meio. Nada mais que isso. Saí logo dela, tão poucas eram as conquistas e vitórias ali guardadas. Andei adiante e o ar se transformou. Entrei no Salão de Minhas Derrotas. Sim, um enorme salão, do tamanho de um ginásio de esportes. Ali, postadas lado a lado, todas as minhas derrotas. As promessas não cumpridas, as mentiras, os fracassos empilhados. Parece mentira – pensei logo, mas fui eu quem empilhou tudo isso por aqui. Sim, a primeira dieta que comecei, ainda adolescente, estava ali. Como uma folha de papel amarelada, carcomida pelo tempo. As tentativas de ser uma pessoa melhor, uma ao lado da outra, ali guardadas. As iniciativas todas, as promessas das segundas-feiras, os compromissos. Caminhei por entre tudo aquilo e fiquei pasmo comigo mesmo. Uma campainha começou a soar. Um som meio perdido, vindo de longe, e por algum motivo eu sabia que aquilo era o sinal do tempo. Era chegada a hora de voltar. Subir, sair dali, retomar. Mas...engraçado...o som daquele alarme me era tão familiar. Pareceu-me que já o tinha ouvido tantas vezes, era quase que música para meus ouvidos. Chegando mais na superfície, dei-me conta do porquê de eu conhecer o som. Ele vinha do estômago e era o aviso da fome. Abri os olhos, as lágrimas tinham molhado a camisa. A luz do mundo real quase machucava os olhos. Respirei fundo. Olhei em volta.
E então, contrariando o que prometera, tomei de um enorme Ovo de Páscoa, abri o papel e comecei a comer. Para nunca mais parar.
É...eu bem que tentei....
Silvano – 29/03/2008

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