14 abril 2008

Leitor comenta minissérie da Globo



Nosso amigo e leitor JAMES manda instigante comentário sobre a minisséris QUERIDOS AMIGOS que acabou de passar na Globo. Muito legal! Valeu, James.

Silvano

Diz o James: Recentemente, foi exibida pela Rede Globo uma minissérie, Queridos Amigos, de Maria Adelaide Amaral, baseada em um livro seu e que tratava da reunião de amigos em torno de um que está para morrer. Tema recorrente em filmes americanos, no Brasil, soa como alguma novidade. É ambientada em 1989, na véspera de primeiro turno das eleições presidenciais, as primeiras depois da ditadura. A maioria do grupo é de militantes de esquerda, que lutaram contra a ditadura, sendo alguns exilados e outros, até torturados. Este é outro tema, ainda pouco recorrente na TV país, podendo ser rememorados a ótima minissérie Anos Rebeldes (1992, de Gilberto Braga), a novela Roda de Fogo (1986, de Lauro César Muniz), com Tarcísio Meira, Bruna Lombardi, Eva Vilma, cuja personagem era uma torturada pela repressão. Tem também aquele programa Linha Direta, com um episódio sobre o frei Tito (2006)... Mas mesmo assim, a TV brasileira pouco aborda esse assunto, ao contrário do cinema. Acredito que, com o tempo, deverá abordar ainda menos esse tema. E talvez, isso explique porque estou escrevendo essas linhas. Gostei da minissérie. Rever uma época muito importante na minha vida foi bom e muito emocionante. (Coincidentemente, 1989, foi nesse ano que conheci vossa senhoria, nosso primeiro ano da residência). A minissérie foi pouco comentada. Uma prévia no caderno de TV da Zero Hora, uma opinião sobre duas personagens feita pela Ministra Dilma e uma paulada da Veja. Esta, até dá para entender, afinal, mocinhos de esquerda... mas me fez pensar, o por que de o tema ser pouco explorado. Afinal, os perdedores e as minorias não são notícia, não são atraentes, não chama atenção. A História é escrita pelos vencedores. Aquele grupo que fez oposição ativa contra o regime militar era minoria e realmente nunca chegou ao poder. A própria minissérie mostra a expectativa da vitória da esquerda nas eleições de 89, mas até hoje, esta esquerda não conseguiu galgar ao poder em condições de transformar o país. Fernando Henrique, um exilado, pediu para esquecer o seu passado. Lula, preso pela ditadura, está abraçado nos próceres desta há cinco anos. Ouvir os discursos da minissérie fez me lembrar de mim mesmo. Nos anos de chumbo, eu era criança, mas ouvia os relatos, em casa, do meu pai, tios, primos, presos, cassados, torturados. Ouvia vidrado, achava que a luta armada, a revolução socialista, seria a solução para tudo. Ao entrar na faculdade, em 79, já em plena anistia, apesar das recomendações de casa para não meter em política, pelos perigos que representava, militei no movimento estudantil, fui dirigente do centro acadêmico, mas, aos poucos, fui oPTando por ser o que eu sou hoje e não político profissional. Estive muito perto de mudar para este outro rumo e fico pensando aonde eu estaria hoje... Não, eu não estaria no poder, eu não teria negado o que minha família tinha vivido, o que eu sempre defendi. Estaria num partido de esquerda, defendendo a revolução socialista pelo voto. Eu e uma minoria, que talvez nem tivesse votos. A minoria que sempre perdeu a disputa pelo poder neste país, e também, em todo o mundo. Uma minoria que sempre quis que a educação e saúde fossem iguais para todos, que isso seja um direito de todos, que isso fosse a base para que a pessoas se diferenciassem. As pessoas seriam diferentes depois de ter estudo e saúde, e não como hoje e sempre, em que as pessoas se diferenciam porque tiveram acesso à saúde e educação. E por pensar assim, nesse país, pessoas foram presas, torturadas e mortas. Muitos desses, hoje estão no poder, abraçados nos torturadores, tão corruptos quantos aqueles que sempre foram. Pensar num mundo melhor e igualitário é ser chamado de dinossauro, afinal isso é um menosprezo por parte de quem sempre foi contra isso, seja através de que meio for, pois esta maioria sempre esteve no poder, seja pelo voto censitário, pelo voto de cabresto, pelas ditaduras do estado novo e do regime militar, pela repressão e pela tortura, seja através poder econômico e a dominação sobre os meios de comunicação. Na minissérie, diferentemente do cinemão americano, a personagem que tinha sido vítima da tortura não procura vingança, a confrontação com seu torturador a apavora, só as lembranças a faz sofrer permanentemente, como é a realidade, vide o exemplo do frei Tito. No cinema, num enredo previsível, o torturado, depois de passar pelas maiores atrocidades possíveis, mata o torturador, com um único tiro ou numa grande explosão involuntária. Uma exceção é o filme da Sigourney Weaver, onde ela bate um monte em um Ben Kingsley amarrado, em um país latino qualquer (A morte e a donzela, 1994, de Roman Polanski). Na minissérie, o que temos é um desabafo candente da Fernanda Montenegro, mãe da torturada, ao algoz e um tapa na cara deste. Ao final, há uma denúncia pública dos fatos. Mas voltando ao mundo político, estes esquerdistas, não conseguiram e nem conseguirão mudar o mundo. São minoria, não enchem uma van, e só se unem quando estão na cadeia. Mas os sonhos, estes estão vivos, talvez apenas nos discursos. Nós seguimos frustrados com aqueles que chegam ao poder com seus falsos programas, ideologicamente de esquerda. As promessas eram ótimas, os resultados são pífios. Diminuiu a fome, diminuiu o desemprego, aumentou o consumo, talvez nunca tanto como agora. Lula talvez termine o seu governo como o melhor presidente de todos os tempos, mas a saúde, a educação nunca estiveram tão ruins. Eu queria que meus filhos fossem a pé para escola do bairro, que seria igual em qualidade a de outro bairro, onde tivessem professores capazes como os americanos, bem pagos como os suecos, respeitados como os mestres japoneses. Queria que eles fossem acompanhados em sua saúde no posto do bairro, tratados por profissionais como os professores da escola do bairro. Querer isso, com exemplos de países capitalistas e não o de algum país chamado de comunista, é apenas ser de esquerda. Mas quando neste país, os governos usaram os impostos para se ter educação e saúde. Bom, a assunto era a minissérie. Os mocinhos eram gente de verdade. Eles não venceram os vilões, não ganharam eleições, não ficaram ricos, passavam por mazelas comuns da vida afetiva e familiar. Alguns se perderam pelo caminho, alguns ainda sonham em silêncio por um mundo justo. Ver isso na TV, com o coração apertado, da vontade de gritar: No passarán!

1 comentários:

Anônimo disse...

Simplesmente fantástico o texto. Parabéns ao autor. Abs, Rosalva