20 março 2009

Coisa de Gordo - 420

420 – OBRA DE ARTE
Eu não sei como é que este filme não levou Oscar. Talvez tenha ficado um pouco ofuscado pelo A LENDA, do Will Smith, posto que ambos trilham um roteiro similar. Uma “virose” que acomete a população mundial e suas terríveis conseqüências. Pode ser que tenha se dado isso.
Trago tal divagação, pois este filme do diretor Fernando Meireles, chamado ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (Blindness), é uma verdadeira obra de arte.
Aliás, há um outro ponto em comum com o filme do Will Smith. A brasileira Alice Braga, aquela que é sobrinha da Sônia Braga, atua em ambos. Pois é, a carreira da mulher está ficando marcada por filmes de epidemias e catástrofes. Olha o vírus, Alice! E lá vai ela filmar!
Partindo do livro do Saramago, que faz uma linda metáfora sobre a cegueira que assola a humanidade, Meireles traz ao espectador a saga de um grupo de pessoas que subitamente é tomada por uma cegueira. E o curioso é que é uma cegueira branca, quando os cegos de verdade a possuem na variante preta. Tudo fica branco, muito branco.
A partir dessa trama inicial, o diretor então vai desfolhando a personalidade humana, despindo-a da civilidade aparente que todos vestimos. Com o passar das horas e dos dias, as pessoas vão se embrutecendo, se animalizando, deixando eclodir a fera que existe dentro de cada um.
A dupla de atores centrais está soberba. Temos a Julianne Moore como a esposa do oftalmologista interpretado por Mark Ruffalo, e além deles algumas caras familiares como o Danny Glover e outros.
Sempre tive esta impressão. Somos mansos porque a luz está acesa e a polícia está nas ruas. Basta ver que se falta luz em grande escala, automaticamente acontecem saques e depredações. O mesmo vale para nossa conduta nas ruas. Se as polícias todas fizessem uma greve simultânea, a barbárie apareceria rapidamente.
Num momento inicial da trama os “doentes” são levados para uma espécie de sanatório, um asilo, onde ficam reclusos. Neste momento se confirma a máxima de que “em terra de cego quem tem olho é rei”. A pessoa que ainda consegue ver acaba assumindo um papel crucial no desenrolar da trama. Aos poucos as dificuldades vão aparecendo, a sujeira se espalha, a fome chega, aproxima-se a selvageria.
Imagino que o português Saramago aludia igualmente a isso. Esse despir-se das aparências, deste cair de máscaras e do cruel auto-exame da sociedade. O ser humano filosoficamente se vê diante de um espelho e o que ele enxerga não é nada alentador. Pelo contrário, até assusta.
Vi o diretor Fernando Meireles sendo entrevistado pelo Serginho Groissmann no ALTAS HORAS, onde ele contou que as tomadas de rua foram feitas em várias cidades do mundo. Há cenas em São Paulo e em várias outras metrópoles. Li no site ADORO CINEMA que o José Saramago autorizou a transposição para as telas, desde que não desse para saber em que país se passa o filme. Isso acontece magistralmente. O filme não deixa margem à localização.
Belo filme, triste filme. Bárbaro, violento, instigante, assustador. Impossível não se deixar tocar pelo que aparece ali.
Imperdível. Filmaço. Nota: 10,0 !
Silvano – além de impossível, cego

20/03/2009

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