23 abril 2009

Coisa de Gordo - 425


425 – UNANIMIDADE BURRA
Se tem um cara que era genial e que, na criação, era uma cabeça à frente do seu tempo, esse cara era o Nelson Rodrigues. E uma das frases clássicas dele é esta aludida aqui no título. Preconizava o Nelson: - “Toda unanimidade é burra!”
Na primeira vez em que li a frase achei-a meio escrachada, pensei logo: - O Nelson tá zoando com a minha cara! Não estava, não! Com o passar dos anos, a cada vez que me defrontava com a tal frase percebia que ela era pedra dura, era rocha, não tinha vindo para ser fugaz. Era uma afirmação que vinha para permanecer.
Assim, a cada vez que eu escutava alguém comentando uma eleição e dizendo que um certo fulano tinha sido eleito por unanimidade, eu dava de ombros e lembrava do Nelson Rodrigues. A cada vez que uma pesquisa de opinião era realizada, sei lá, entre os colegas de escritório, e TODOS escolhiam o Nogueira como o colega do ano, lá me vinha o Nelson Rodrigues de novo. Peraí, comecei a filosofar, isso não tem como ser assim, alguém deve ter alguma coisa, uma reles coisinha contra o Nogueira. Como pode ele ter sido eleito por unanimidade? Conclusão óbvia: - Que gente burra!
Chegando aonde quero chegar. Sendo ouvinte assíduo de rádio, cedo da madrugada já estou conectado nas antenas da comunicação. Por uma série de pequenos fatores, a rádio que escuto nesse horário mais cedo é a RÁDIO GAÚCHA , de Porto Alegre. O programa se chama Gaúcha Hoje, é ancorado pelo Antônio Carlos Macedo e o Daniel Scola. É um belo programa, recheado de notícias, informações, manchetes de jornais, opiniões de pessoas bem variadas. Manhã adentro, quando posso ouvir rádio, vario um pouco entre rádios locais aqui de Santo Antônio e outras emissoras de Porto Alegre.
Mas quero me ater à Rádio Gaúcha.
Em que pese eles tenham uma verdadeira constelação de atrações, radialistas dos mais variados naipes, é uma e duas e entra o tema FUTEBOL! Os caras falam muito em futebol. Senão vejamos. Neste programa matinal do acordar, nas chamadas de notícias eles dão placar dos jogos da noite anterior. Lá pelas sete e pouco entra o comentário do Silvio Benfica sobre....futebol. Mais um pouquinho e vem o dinossauro Paulo Sant'anna falando de temas variados, mas muitas vezes em...futebol. Perto das oito vem o Túlio Milmann com temas variados, que freqüentemente abordam....futebol. A partir daí, ao longo da manhã, todos os programas abrem parêntesis para...futebol. Aí o indivíduo sai do trabalho, tem que ir almoçar, pegar os filhos na escola, sei lá e então o que eles servem ao meio-dia? Um programa chamado Esportes ao Meio-Dia, onde se fala só de...futebol. À uma da tarde, começa o clássico Sala de Redação, cujo tema central é...futebol.
A tarde repete a ladainha da manhã, com todos os programas sendo invadidos por informes de futebol. Aí naquela hora crucial das seis da tarde quando você vai pegar o trânsito de volta para casa, eles oferecem um programa chamado Hoje nos Esportes que fala.....sim...sim...só de futebol. Às oito da noite, então o Pedro Ernesto De Nardin começa o Show dos Esportes, que definitivamente só fala de futebol. Resumidamente, essa é a grade da Rádio Gaúcha, isso em dias que não tem jogo de futebol. Nos fins-de-semana há outras atrações futebolísticas (No mundo da bola, Falcão na Gaúcha, etc..). Tudo, sempre sobre futebol.
Um parêntesis absolutamente necessário aqui. Sou colorado, GOSTO DE FUTEBOL, já fui sócio do Internacional na campanha em que fomos Campeões Brasileiros Invictos, nos idos de 1979. Já fui muito a jogo no Beira-Rio e em outros estádios. Torço pela seleção, meu guri me ensinou a assistir eventualmente os torneios da Europa, enfim, gosto da coisa. Mas não cabem os excessos. Há momentos para ver e falar de futebol. Mas não o dia todo!
Você não deve ter entendido nada até aqui. Como relacionar Nelson Rodrigues com isso aqui comentado? O que isso tem a ver com aquilo. Explico-me.
A cada vez que o Ibope faz levantamentos de audiência, os níveis alcançados pela Gaúcha estão mais altos! O programa matinal do Macedo e do Scola, anda batendo nos 75 a 80% de audiência. Já vi estatísticas de outros horários e a tendência é a mesma. Ou seja, vai me responder o dono da Gaúcha, fica quieto, Silvano, que quanto mais a gente fala de futebol, maior fica a nossa audiência. As outras rádios já perceberam isso e estão igualmente contaminando suas grades de programação com futebol. Que pena.
Uma noite, não tendo mais o que falar de futebol, escutei o Luciano Périco da Gaúcha entrevistar o motorista do ônibus que levaria o Inter para um jogo na serra. Ato contínuo, ele entrevistou o próprio ônibus, pois pediu ao motorista que acionasse a buzina do ônibus e transmitiu aquele som pelas ondas do rádio, pela internet, pela Sky. Sim, o cara entrevistou o ônibus do Inter. Meu cérebro derreteu e desliguei o rádio.
Ou seja, caro leitor, os caras estão banalizando a programação e estão conquistando todos, aproximando-se da tão temida unanimidade! O que mostra que a gauchada talvez seja burra! Além de estarem todos se conectando na mesma rádio, o fazem por causa de....futebol. Que pena.
Por favor, senhores radialistas, parem de tanto falar em futebol. Pode ser que a audiência caia um pouquinho, mas a cultura desse povinho vai agradecer. Entrevistar um ônibus...meu Deus do céu!
Silvano – o impossível


Do livro CONTOS E APÓLOGOS
“Prezado amigo, à maneira dos velhos peregrinos que jornadeiam sem repouso,busco-te os ouvidos pelas portas do coração. Senta-te aqui por um minuto...”
A partir de hoje, esta frase passará a ilustrar a margem de abertura deste blog. Fui flechado por ela, atingido, seduzido, sensibilizado. E carinhosamente decidi compartilhá-la com você.


23/04/2009

4 comentários:

lizi disse...

Silvano, eu não poderia concordar mais contigo! Creio que já é hora de falar mais sobre a vida, e bem neos sobre os campos.

Anônimo disse...

Olá Silvano,tudo bem?
Eu acho que se você e outros que não gostam do rumo que a Rádio está tomando,procurassem outra,ou não ligassem e diminuisse a audiência,quem sabe eles mudariam o assunto?
Não gostar e continuar ouvindo todas as manhãs e noites a mesma coisa é concordar com eles e fazer parte dessa unanimidade não acha?
Concordo com você quanto ao assunto que é chato mesmo,principalmente quando é massificado assim,mas nada vai mudar se os que não gostam continuarem a ouvir.
Abraços
Claudete

Aida Staszak disse...

Como é salutar ler coisas que nos mostram ou alertam para coisas que vão fazendo parte do nosso dia-a-dia. Particularmente, diria como meu pai: nada contra futebol, mas nada a favor. Pior, não fica por aí, não, alguns jornais, como Diário Gaúcho, tem um preço acessível, mas "escorre sangue" é só tragédia, a Rádio Farroupilha, pode até ajudar os carentes, mas explora e bombardeia falando da miséria, matanças familiares e vão até a exaustão, ah... ia esquecendo: fofocas são a tònica também - é a rádio do Povo.
Tu já viu alguém comentar sobre alguma matéria publicada no Globo, Jornal do Comércio, Estado de São Paulo ou mesmo o Sul ou quem sabe as revistas Época, Galileu, ou que pelo menos leiam um livro por ano, não estou falando daqueles romances tipo brochura, livros que acrescentem conhecimento, numa linguagem envolvente e diversificada. Sinceramente, conheço poucos e felizmente estes são meus amigos, quando nos encontramos as horas passam sem sentirmos, é gratificante.
Fica sabendo que esta frase será também meu bordão. Poucas palavras que englobam tamanha sabedoria.

Flávio Helmann disse...

Silvano,
Belo texto. Também sou amante do futebol, mas os meios de comunicação são importantes demais para o desenvolvimento sócio-cultural de uma sociedade e acho que neste caso caberia uma regulação do estado (minha veia comunista falando de novo)para, sem interferir no conteúdo, não estou falando de censura, exigir um determinado tempo de programas informativos gerais, culturais, educacionais, históricos em horários nobres. Para ficar nos veículos da RBS: os caras tem um potencial muito grande e produzem coisas muito boas mas em horários que quase ninguém escuta. Alguém já ouviu o programa "era uma vez em Porto Alegre", é muito bom mas no sábado pela manhã bem cedo, para um sábado é claro.
Abraços!
Flávio Helmann